DALVA [bananas são radioativas]

Guilherme Iamarino
6 min readAug 11, 2022

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imagem do google

Escrever um texto sobre isso é realmente animador. Talvez não no estilo que você esteja pensando agora. Mais no tipo de pensamento que estou com um sorriso de canto de boca neste exato momento em que você chega ao final dessa frase.

Quando eu digitei no Google “Estrela D’alva” para procurar algumas informações sobre o que eu quero escrever agora a primeira coisa que veio na busca foi um site de modas evangélicas. É muito, muito interessante o fato de que essa “estrela” específica tenha sido capturada pelo universo e dialeto evangélico. Claro, não iremos ignorar o fato de que ela é, de fato, citada na Bíblia. Chegaremos lá. É que eu realmente estou impressionado com o site de moda evangélica. O que eu queria mesmo era algo sobre astronomia.

Eu tive uma professora de inglês na escola que se chamava Dalva. Era impávida, elegante, para não dizer que era brava e exigente. Dalva tinha dado aula a todos os meus primos mais velhos, então no primeiro dia de aula em que ela me conheceu já disse uma frase clássica, rispidamente: “Mais um Iamarino, vamos ver se consegue ir bem na minha matéria.” Vocês que ficaram por anos a fio com birra do Prof. Snape não sabem o que foi ter aula com a Dalva. No fim, ela me tratou tão bem que se tornou talvez uma das minhas professoras preferidas de inglês. Apesar de durona, ela tinha um coração bom, e até um brilho eterno de uma mente com muitas lembranças boas. Ou então ela só gostou mais de mim porque eu não era tão bagunceiro quanto meus predecessores.

É claro que Dalva, do inglês, nada tem que ver com a Estrela da Alva, ou Estrela D’alva, que é o verdadeiro assunto que este texto radiativo se ocupará. Tudo isso foi a mais completa e ridícula tática para te capturar com as primeiras abordagens. Ou não.

Comecei a refletir sobre Vênus, ou Perelandra, como C. S. Lewis gostou de chamar esse segundo planeta no nosso sistema Solar, em uma das nossas viagens de avião. Estava próximo à janela e puder ver, logo nas primeiras horas da manhã, aquela imagem maravilhosa da Lua com a sua estrela acompanhante, quase como a bandeira da Turquia. Vendo isso a alguns milhares de pés acima da superfície é inspirador. Essa estrela que normalmente dizemos que é a estrela da manhã, ou estrela d’alva, é na verdade um planeta. É na verdade inclusive maior que a própria Lua.

Vênus e alguns outros planetas, como Marte (Malacandra), Júpiter (Glund), Saturno (Lurga), enfim vários planetas podem ser vistos e confundidos com estrelas por causa da refração da luz em suas atmosferas. Você provavelmente já viu Marte a olho nu, ou então observou bem Júpiter de algum ponto num campo tranquilo quando estava naquela noite do acampamento tentando sair de fininho com a sua paquera.

Mas enfim, dizia que refletia sobre essa estrela da manhã, ou planeta da manhã. É incrível o fato de existir uma estrela que brilha logo ao lado da lua, como se tivesse um brilho intermitente, fixo, pleno. Perseverante diante de qualquer outra fase da lua ou de qualquer estação terrestre. Uma luz que continua a brilhar mesmo quando todas as outras estrelas se apagam. Uma luz que se apresenta no céu antes mesmo de todas as outras aparecem no celeste e vasto firmamento. Não é à toa que Apocalipse chama o próprio Jesus de “Estrela da Manhã”. Você pode fazer uma pausa para escutar a música que eu sei que está morrendo de vontade de ouvir e já cantarolou uma ou duas vezes durante a leitura desse texto.

Agora chegou a hora de eu dizer finalmente por que eu fiquei refletindo ali naquele avião. É porque me lembrei de Sam e Frodo. Lá pelos idos do capítulo doze do Retorno do Rei, Sam e Frodo já estão enrascados no meio de Mordor. Digo Sam e Frodo porque Frodo já parece mais um moribundo e é Sam aqui que se destaca como o verdadeiro protagonista. Frodo está cansado, sem esperança, com veneno de aranha correndo em suas veias, o fardo do Um Anel tentando o derrubar constantemente e a tentação de colocá-lo no dedo passando de 0,2 em 0,2 segundos, afinal, tudo terminaria facilmente se colocasse, mas para o lado de Sauron. Boa coisa não seria. Pra ninguém.

Os tempos, o clima e até o céu fica mais escuro nesse final. Há Nazguls sobrevoando ao redor deles o tempo todo. Sombras que crescem e crescem não apenas no céu, mas nos corações dos pequenos heróis do condado. Ambos tentam se apegar ao máximo às esperanças, que se tornam cada vez mais uma fina camada etérea naquele ar repleto de solidez tenebrosa. É em um momento em que se rendem ao cansaço, que Frodo dorme. Eles conversam muito sobre esperança, destino e o final da jornada. Sam resiste em dormir, faz de tudo para ficar alerta e vigiar o seu mestre e amigo. E é exatamente nesse ponto do capítulo que se abriga um dos mais fabulosos parágrafos do Senhor dos Anéis.

Não ousarei citá-lo, pois eu quero muito que você chegue lá e leia. Leia com as palavras que Tolkien escreveu. Leia depois de ter passado pela morte de Gandalf e Boromir no Sociedade do Anel, pelas crises de Frodo, pela tensão da guerra iminente no Duas Torres, e pela chatice do Saruman. Depois de ter resistido às reuniões intermináveis do conselho dos Ents, depois de perceber que Éomer é injustiçado, e também depois de ver na sua cara que os filmes do Peter Jackson erraram bastante. Depois de conhecer Faramir, ter pena de Smeágol, ter raiva do Gollum, perder o fôlego enquanto Frodo é capturado, perder ainda mais o fôlego quando Sam vence a Laracna e invade a fortaleza orc. Depois do Gandalf, o Branco e Scadufax. Depois da loucura de Denethor e de perceber que o príncipe de Imrahil seria um ótimo personagem para o filme. Depois do desespero de andar e andar e andar pela terra média, chegar em Mordor e ainda ter a mais difícil missão que nem Isildur conseguiu fazer. E é aqui que eu quero que você suspire. Sim, suspire juntamente com o mestre Samwise Gamgee.

Sam olha para o céu. É descrito que ele vê um brilho. E em meio ao céu pálido, no meio da noite profunda, é que Sam tem seu coração iluminado pelo brilho de uma estrela branca. Uma luz que arrebata o seu coração. Aquilo lhe trouxe esperança porque percebeu que por mais sobrenatural, enorme e tenebrosa que seja a sombra, sempre haverá uma luz reluzindo, mesmo que distante. Percebeu que aquela sombra apenas parecia grande, mas, se a luz daquela estrela estava chegando até ali, mesmo pálida no meio do céu vazio, ela haveria de ser uma grande luz. E essa grande luz dissipa quaisquer trevas. Qualquer sombra é pequena e passageira quando contrastada com a luz.

O bondoso jardineiro-mestre retoma a sua esperança e se lembra da canção que cantara a Elbereth Gilthoniel, ou melhor, Varda, que é uma das Valar, é a responsável pelas estrelas. No nosso caso, aqui neste mundo primário, lembramos da canção sobre a Estrela da Manhã, que é mais reluzente do que as densas trevas, que é de fato o Cordeiro que venceu e é digno de abrir o livro.

Eu não sei se um dia você terá vontade de observar o céu e ver ao lado da Lua a Dalva. Eu nem sei se você vai se animar para ler Senhor dos Anéis e parar de só ver o filme. E muito menos sei se você teve uma professora como a Dalva. Mas talvez eu saiba que duras trevas nos envolvem todos os dias. O que eu espero, se você chegar a fazer isso, é que tenha sua esperança renovada, como Samwise teve a dele. Esperança renovada naquele que resplandeceu sua luz para além das mais escuras trevas. Lembre-se, há vezes em que tudo o que conseguimos enxergar é a escuridão ao nosso redor. Cristo, a Estrela da Manhã, é essa luz perene e pálida no céu noturno que constantemente nos diz que as trevas apenas parecem grandes, mas a sua luz, a luz verdadeira do Filho de Deus, é tremendamente maior. Sua beleza arrebata os nossos corações, e mesmo quando olhamos para terras desoladas, podemos recobrar a verdadeira esperança.

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