ESTEREOSCÓPIO [bananas são radioativas]

Guilherme Iamarino
7 min readSep 9, 2020

Meu primeiro contato com imagens em 3D foi em uma revista chamada Mini Monstros. Era uma revista com insetos e artrópodes. Sobre ciência, para variar, como quase todas as coisas que consumi nos anos 90: Dinossauros, invertebrados, seres abissais, vulcões, planetas e estrelas. Apesar do nome da revista ser assustador, meus pais sempre compravam para mim. Os mini monstros eram meus companheiros por longas horas.

Não, eles não eram meus únicos amigos, havia os dinossauros e o Lego também. Videogame veio depois. É claro que não estou falando sério, ou será que estou?

A cada edição da revista havia uma foto de duas páginas totalmente em 3D. Ora, o 3D naquela época não era nem um pouco parecido com o que temos hoje. Era uma imagem cinzenta, com algumas bordas azuis e outras rosadas. Ah, e é claro, havia o óculos. Um exemplar altamente tecnológico de papelão, com um papel celofane rosado de um lado e outro azulado de outro.

E pensar que hoje você vai ao cinema 3D e coloca um belo exemplar que se parece com o Ray-Ban Wayfarer.

Eu ficava fascinado com aquilo. Os insetos saltavam da revista, conseguia ver em profundidade. Quem nunca passou a mão por cima de uma tela para ver se conseguiria pegar o que estava saltando na sua direção? Ou então, vendo algum filme em 3D no cinema não tentou agarrar algo que saía da tela?

E pensar que as pessoas que vira um filme no cinema pela primeira vez saíram correndo achando que o trem iria irromper na direção deles. E nem era 3D.

Mas entre um trem, insetos e os filmes da Marvel há muita coisa para se discutir.

Achei a coleção à venda no mercado livre, com 31 fascículos, óculos e um estojo para guardar tudo. R$ 250,00 mais o frete. O que eles esqueceram no anúncio é que com todos os fascículos você montava a miniatura uma tarântula, um escorpião e algum outro inseto que eu quebrei e não me lembro qual era. Eles brilhavam no escuro.

Talvez ter um escorpião brilhante no seu quarto durante a noite não seja exatamente tão aceitável para as crianças de hoje.

Já fiz digressões demais para um texto que era para ser curto. Vamos ao que interessa. Comecei a escrever para falar de estereoscopia. Eu me perdi porque fui perguntar para a minha mãe se ela encontrava a minha coleção da Mini Monstros. O fato é que ela encontrou e agora estou pensando em fazer a venda no mercado livre por R$ 245,00 para obter uma boa concorrência com a outra.

Todo dia um leão para matar.

Estereoscopia é quando a sua visão é obrigatoriamente desalinhada para que se consiga ver em três dimensões, ou melhor, ver em profundidade.

Depois dessa história com a revista, meu outro contato com imagens 3D foi em um filme que meu pai levou para casa. Ele era como essas imagens cinzentas, com borrões azuis e rosados. Claro, tínhamos que colocar os óculos. Eu me sentia em “De volta para o futuro parte II”, e, para confessar, mal conseguia ver o 3D. O filme, pelo o que eu me lembro, era de um helicóptero sobrevoando uma floresta. Não, não era Predador.

Tudo isso aconteceu antes do Nintendo 64 e da revolução de jogos em 3D. Antes de Cassiopéia e Toy Story. Antes da animação 3D do Show do Milhão.

Agora um texto sobre visão em 3D se tornou sobre velharia.

Voltemos (ao Evangelho).

O que é, essencialmente, o 3D, ou estereoscopia? Justamente quando a sua visão é forçada a olhar separadamente duas imagens, que se sobrepõem, e, ao se sobrepor, você consegue ver em profundidade. É como se você olhasse duas fotos quase iguais, com uma variação pequena entre elas na posição. Assim, você consegue enxergar a profundidade, quando as imagens recebidas pelo seu cérebro se fundem. Seus olhos são forçados a ver duas imagens separadamente, para então tudo se juntar na sua cabeça como uma única e bela letra dourada saindo da tela em sua direção.

Isso é precisamente o que acontece quando os nossos olhos, que são dois, olham para qualquer coisa nesta realidade. Você só consegue entender que faltam alguns metros para a saída, ou que a porta de vidro está perto demais de sua cara por causa dos seus olhos, que são dois. Ciclopes não conseguem ver em profundidade, ou pelo menos não deveriam. Mas, é claro que, por serem seres mágicos, algo deve acontecer ali. Se você cobrir um dos olhos, a sensação de profundidade vai lhe escapar levemente. Depois de um tempo vai parecer um pouco estranho.

Eu vou lhe dizer o que é estranho. Olhar por horas a fio em um óculos estereoscópico.

Quando estava na faculdade, e incrivelmente eu estive um dia, tive o contato com uma maravilhosa gerigonça chamada “óculos estereoscópico”. Poucos sabem, mas eu estudei Geologia por um tempo. Tínhamos algumas matérias na área da cartografia, e, claro, provas de elaboração de mapas. Meus professores queriam que aprendêssemos tudo, sem usar autocad, automap, imagens do landsat ou qualquer outro sistema tecnológico que reduziria o trabalho de horas a fio desenhando debruçado sobre uma mesa com os olhos obrigatoriamente tornados estrábicos.

Então, nesta disciplina, tivemos contato com o óculos estereoscópico. Era um suporte com duas lentes separadas e alguns espelhos. Basicamente o dispositivo forçava seus olhos a olhar separadamente uma imagem cada um. Havia o dispositivo mais “tecnológico” com os espelhos e uma facilidade tremenda para ver, e o outro, chamado “portátil”. Era o “se vira para ver” da estereoscopia. Imagine quem era o sortudo que sempre pegava ele. Deixei uma foto desse maravilhoso dispositivo com lentes Carl Zeiss na imagem da postagem.

Para realizar a cartografia de uma área, eram tiradas duas ou mais fotos. Um helicóptero, como o do filme em 3D que eu tinha visto na infância, tirava as fotos aéreas do local em questão a ser mapeado. Eram fotos parecidas, mas não iguais. O cartógrafo iria colocar duas fotos, uma na direção de cada uma das lentes do estereoscópio, e então olhar para as lentes, debruçando a sua cabeça sobre o dispositivo.

É claro que algo mágico acontecia. É sério. Minha turma ficou impressionada da primeira vez. Mal sabíamos que dores nas costas e muita dor de cabeça por causa da visão forçada iriam nos atormentar por todo o semestre.

Tomei muito Advil e Neosaldina naquela época.

Com as duas fotos sobrepostas na visão, uma vez que não eram iguais, mas levemente diferentes, partilhando pelo menos 70% de similaridade, era possível enxergar como se estivesse vendo realmente a visão de cima do helicóptero. A vegetação e o relevo tinham profundidade, possibilitando um mapeamento preciso. E então a tarefa do cartógrafo começava. Isso se você desenhasse bem. Em uma simples foto 2D era muito difícil diferenciar algumas vegetações, e posições relativas. Com o óculos estereoscópico, a porção de futuros cientistas poderia mapear regiões e dizer o que era café e o que era um laranjal, colocar as linhas de relevo e desenhar curvas de nível.

A prova dessa matéria durou 5 horas. Não me arrependo de ter desistido da Geologia.

Sim, prefiro ficar 5 horas entocado no estúdio ou escrevendo.

Mas confesso que por vezes nós vemos a vida de uma maneira muito bidimensional.

Falta-nos uma visão estereoscópica. Falta-nos ver de uma outra perspectiva, levemente diferente, para conseguirmos enxergar em profundidade e diferenciar as coisas que parecem confusas.

Você nunca se perguntou por que são três os Evangelhos chamados sinóticos? Mateus, Marcos e Lucas. João foi o evangelho escrito depois com argumentos mais filosóficos e teológicos. Mas os três sinóticos contam quase a mesma história. Digamos que com 70% de similaridade. Não, eu não fiz as contas, só estou criando um paralelo mesmo. Depois você pode ir atrás de um livro sobre a harmonia dos evangelhos e ver por você mesmo.

Mas, sério. Você nunca se perguntou por que há mais de um relato sobre a vida de Jesus Cristo, o Filho de Deus, encarnado como homem aqui nesta Terra?

Estereoscopia. O Evangelho 3D.

Os relatos, com histórias repetidas, não são contradições, ou um tentando ser mais preciso que o outro. Há palavras a mais em um dos livros, descrições mais detalhadas em outro, conexões melhores naquele ou argumentos do Antigo Testamento neste. Tudo para que, ao lermos cada um e sobrepormos um com o outro, possamos enxergar o Cristo em sua profundidade.

Não encontro outro ser que tenha afirmado ser Deus, ou ter a revelação para a satisfação dos problemas deste mundo que, ao comparar diversos relatos parecidos sobre ele, possibilitasse uma visão clarificada. Geralmente são só uma porção de manifestos tentando parecer, como cópias baratas da mesma coisa, paródias da mesma história. Mas os Evangelhos são não paródias de uma mesma fonte. São fotos tiradas de perspectivas diferentes do mesmo Jesus. O resultado é que ao lermos cada um deles, nossos olhos finalmente podem ser abertos, nosso coração devidamente apontado para estes espelhos que nos permitem ver a profundidade do caráter do Mestre e a dimensão de sua missão.

Hoje em dia podemos facilmente ver coisas em 3D. Há até dispositivos que nos permitem ver em 3D sem usar os óculos. Os filmes 3D são feitos exatamente como os nossos mapas na faculdade. Duas lentes gravam a mesma cena, em perspectivas levemente diferentes, e são colocadas sobrepostas na produção final.

Na minha infância a coisa era um pouco mais difícil, talvez mais divertido se você for alguém nostálgico. Dava um trabalhão ver em 3D, e confesso que era necessária muita paciência até finalmente ver a imagem. Forçar os olhos e finalmente ver.

Mas a estereoscopia é uma tecnologia que é mais antiga do que pensamos. Os autores dos Evangelhos foram os primeiros a desbravar este conceito.

A primeira versão estereoscópica da história é o próprio Evangelho de Cristo Jesus, sem óculos. Não se satisfaça com um simples sobrevoar panorâmico na vida de Jesus, vá até o que Marcos, Mateus, Lucas e João relataram e force seus olhos e seu coração a ver o reflexo estereoscópico de Cristo a cada página dos Evangelhos.

Falei sobre imagens em estéreo. Talvez um dia fale sobre a música em estéreo. Talvez um dia fale também sobre a realidade aumentada e aqueles óculos que te deixam como um bocó balançando a cabeça no céu na frente dos seus amigos.

Quem estiver interessado na coleção de Mini Monstros, com o óculos 3D de papel celofane, procure no Mercado Livre a partir de amanhã.

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