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FUTUROLOGIA [bananas são radioativas]

Guilherme Iamarino
8 min readDec 10, 2020

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Há um certo risco em pensar sobre o futuro. E esse risco é exatamente sair do presente. Decidi falar sobre o futuro antes do que dissertar sobre presente justamente pelo fator da ansiedade.

Preferimos falar no futuro, agir no futuro, olhar para o futuro. Os grandes heróis da história são considerados visionários. As palestras motivacionais sobre futuro são mais bem frequentadas que museus.

É claro, temos um problema nítido com o passado, como falei anteriormente sobre a síndrome de Wells, mas tentamos resolver tudo isso com uma obsessão no futuro.

Todos temos um pequeno desejo de saber como as coisas estarão daqui uns anos. Será que vou envelhecer bem? Será que meu cabelo grisalho será tão atraente quanto o do George Clooney? Ou será que minhas rugas colocarão medo como as do Clint Eastwood? Será que as coisas ficarão todas em cima, ou a gravidade vai agir e tudo irá por água abaixo? (literalmente).

O que estará além? Haverá carros voadores? Robôs que servem a humanidade? Qual será a configuração da sociedade? Temos uma tara com o futuro. Sempre.

Pensamos essas coisas, e não só essas, pensamos em como estaremos, se casados, se com filhos, se bem empregados. Queremos acelerar, por vezes, o processo lento da vida para que o amanhã venha.

Onde você se vê daqui cinco anos?

É a pergunta que eu mais odeio em toda a minha vida.

Esses casos, penso eu, nada tem que ver com About Time, uma vez que, no filme, Tim Lake não consegue ir para o futuro. O máximo de chateação demonstrada acerca do futuro é um pequeno “meh” quando ele descobre que não pode ir para o futuro, que é um lugar onde fisicamente ele nunca foi.

Então já podemos concluir que este será o único texto que eu não falarei muito sobre esse filme. Vou ter que recorrer a todos os outros filmes, séries e livros sobre ficção científica.

Como você viaja até um local onde fisicamente você não existe ainda?

Um misto de exploração com progresso. Esse é o futuro.

Pois é nisso que quero pensar. Fisicamente já estivemos no passado, por isso temos o que chamamos de memória. Nosso corpo se lembra, não só a nossa mente. E, talvez as outras coisas também, sejam animais ou plantas ou até mesmo nossos amigos (por mais plantas que eles sejam) se lembrem de momentos do passado conosco. Mas você não pode se lembrar de um momento que ainda não aconteceu, e não pode estar em um lugar que ainda não existe no tempo.

É esse o problema, e talvez o fetiche, do futuro. A futurologia tenta chegar a esse local pelo poder da vidência, toca a questão mística da coisa. Tentam adivinhar, com estatísticas, cálculos e suposições o que vai acontecer depois de amanhã. É quase como uma previsão do tempo, só que pior. Nunca chove quando dizem que iria chover, e nunca faz sol quando dizem que será um dia ensolarado.

Desculpem-me aí os meteorologistas. Eu reconheço o trabalho de vocês. Precisava da comparação.

O futuro não é uma questão de meteorologia.

Como você pode perceber, eu tenho uma certa chateação com previsões. Previsões são tentativas de chegar a um tempo que ainda não se está, para então saber o que fazer, tirando justamente o risco da imprevisibilidade, que é o que torna o presente uma real dádiva. Não há nada mais controlador do que dizer: “Olha amanhã vai fazer sol.” Por mais inocente que isso pareça, é aí o começo dos males da ansiedade.

Quem disse que amanhã vai fazer sol? Uma máquina? A ciência da previsão do tempo? E se eu tiver máquinas o suficiente para dizer que amanhã vou vestir azul? Ou para dizer que na semana que vem os políticos do Congo farão uma revolução social que finalmente dará certo? Os parâmetros para uma previsão correta realmente são fundamentados na grande ciência que os envolve?

É aí que criamos fatores de previsão para tudo, não só para as coisas naturais e previsíveis. Criamos previsões para o nosso futuro. Respondemos testes de personalidade e achamos que nosso futuro emprego será como o Barack Obama ou como a Margareth Tatcher. Seu teste no buzzfeed disse que você é como o Homem de Ferro e não como o Capitão América.

Tentam prever seu futuro para você a todo momento. De entrevistas de emprego a coachs, de mentores de RH a psicólogos, de artistas a pastores inflamados te aconselhando, todos no fim são como a madame cigana Zoltar. E não, não te fazem virar o Tom Hanks e tocar bem num piano de chão na loja de brinquedos mais famosa do mundo.

Continuo dizendo que tenho dificuldades com isso. Há certo risco na imprevisibilidade, mas de certo modo é aí que está o charme da vida. Se você souber de tudo o que fará amanhã, como o fará? Não é aí, justamente, que moram os males todos da ansiedade?

É necessária uma nota explicativa aqui. Eu absolutamente sou a favor de planejamento, reuniões e pensar bem no que faremos. A abordagem que quero trazer nesse texto é outra, é a obsessão com cartilhas de previsão de futuro e comandam nossa vida. Eu realmente gosto de reuniões e tenho muita dificuldades com planejamentos caóticos e improvisados.

Para uma digressão aqui, vejam a terceira temporada de Westworld. O megacomputador Rehoboam é exatamente isso.

Mas não fiquemos tão ansiosos. A ansiedade tem muito que ver com a futurologia.

Sim, de fato, ansiedade é um grave erro de querer viver um momento futuro no presente. É querer estar onde você não pode entrar ainda, simplesmente. Em poucas palavras, é querer viver o futuro antes que ele sequer existir. Na ansiedade, você esquece do presente para se preocupar com o futuro. Ao invés de tomar as decisões do agora, trata-se de começar a tomar todas as decisões do amanhã.

Há algo mal nisso? Poderiam falar. “Mas é só planejamento!”. Argumentariam. Nada mais idiota que isso. Você já percebeu que todas as pessoas que vivem se preocupando com futuro dessa maneira esquecem tanto de viver o presente que o futuro que elas planejam nunca acontece justamente por esse motivo? Há sempre o amanhã, que não se pode estar, então se esquece do presente onde de fato se está. Assim o planejador obsessivo torna-se um ser apático e sem vida, quase como um invólucro duro, sem resposta. O que acontece? Nada.

Não há como tomar uma atitude real em um tempo que ainda não aconteceu. O ansioso não consegue fazer nada a não ser ficar enrijecido, estático em sua própria vidência.

Não digo que é errado fazer planos. Afinal, todos planejamos e temos desejos. Precisamos deles para criar movimento para o presente. Mas você não precisa viver no seu plano. Além de ser impossível, é burrice científica. É como correr em uma grande esteira com um restaurante no final, que nunca chega. A esteira se movimenta, mas o restaurante, por ser parte de um fundo falso, não sai do lugar. É como naqueles desenhos onde o animal corre atrás de uma carne ou doce pendurado em seu corpo com uma corda, e ele jamais consegue pegar.

É esse o problema da futurologia. A esperança demasiada naquilo que ainda não aconteceu. A diminuição total do fator de imprevisibilidade. Achar que diminuindo o incontrolável e amordaçando o improvável se terá um tempo de oportunidade.

O que eles, ou nós, não percebem quando estão ansiosos é que o Kairós jamais existirá no futuro. Não há a menor chance de encontrar um tempo de oportunidade no futuro. Mesmo na hipótese da viagem no tempo, quando se chegar ao futuro se estará à mercê do que aconteceu em todo o tempo que não se fez nada ao invés de viajar.

Por que acelerar as coisas e perder os processos lentos da vida? Por que desejar mais estar em um lugar que ainda chegará se andarmos em um passo lento?

Projetamos o futuro para as nossas vidas, mas esquecemos que esse futuro projetado logicamente está lá por conta de um caminho traçado. Queremos a consequência da jornada, mas esquecemos que seu fator mais importante é a própria trilha.

Construímos belos castelos para nós, cercados de água, mas esquecemos de descer a ponte. Na obsessão com o futuro, nada mais destruidor do que não contabilizar o caminho para se chegar até lá.

Você quer uma esposa daquele jeito, ou um marido ideal que sirva a Deus e que dê atenção para a sua família. Quer um emprego estável, ou então servir em sua comunidade de maneira generosa. Quer uma casa daquele jeito que você ama, com a cozinha igual a daquela série.

Lembre-se, toda construção começa com a fundação, e a fundação ninguém vê, está debaixo da terra. Quanto mais alto o edifício, mais profunda a fundação.

Toda trilha tem seu caminho, toda conquista tem seu esforço. A futurologia frequentemente desconta, ignora, despreza, a trilha e a o esforço. Gera um mundo mágico onde merecemos coisas sem trabalhar e desfrutamos de paz sem o caminho.

Pois Deus, que preparou para nós um lugar à sua mesa, esse sim, que já é todo-poderoso, resolveu fazer o processo inverso. Passou a viver no tempo e trilhar o caminho. Por isso é o Caminho. Sua verdade e vida, na encarnação de Cristo Jesus, o Filho de Deus, traz para nós o conforto necessário de um Deus que já desfruta da perfeição, mas decide estar conosco durante o presente, sem avançar para o futuro.

É por isso que temos esperança. É por isso que entendemos que a sua vida para nós é dádiva. Vida que Ele nos deu, paciência e paz que Ele nos trouxe.

Jesus foi alguém que cresceu e viveu. Desenvolveu-se em estatura, graça e favor diante de Deus e dos homens. Cada etapa do seu caminho foi recheada de lições do tempo. Seu tempo aqui nos ensinou que não estamos perdendo tempo quando olhamos com alegria para o caminho que parece nos atrasar.

Falamos sobre a síndrome de Wells, ou seja, viver tentando alterar o passado, como se quiséssemos o tempo todo corrigir nossa própria história. Agora eu discursei muito sobre o oposto, que é ser tão ansioso e projetar-se para o futuro, esquecendo-se de quem se é no agora. Ambas as crises que temos, seja com a culpa do passado ou com a ansiedade futura são maneiras de nos afastarmos de Deus. O Pai tem interesse de se relacionar conosco no agora, não no passado, nem no futuro. Ele sabe que não podemos existir no passado, e que ainda não existimos no futuro.

Ao passado cabe a memória apenas, ao futuro cabe a esperança.

Que nossa memória seja reconciliada e que a nossa esperança seja firmada no Cristo, que é o hoje de Deus.

Fuja das previsões conspiracionistas de sua mente, que tentam mais estar nos anos por vir do que no Hoje de Deus. Que Ele trate do nosso desejo de ultrapassar as barreiras do tempo e viajar aos séculos ocultos.

Que Ele nos faça entender o tempo da Dádiva. Mas isso explicarei na próxima oportunidade.

Por isso digo, juntamente com o senhor Chesterton, que a menor distância para daqui a uma semana será sempre e precisamente sete dias.

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