Photo by Djim Loic on Unsplash

TEMPO E REALIDADE [bananas são radioativas]

Guilherme Iamarino
9 min readNov 25, 2020

--

Fique tranquilo, este texto não provocará uma mudança na realidade, muito menos você sofrerá uma barreira temporal que lhe impedirá de seguir seu curso até o século 100 mil.

Não são 10 mil anos preso numa lâmpada mágica, são 100 mil séculos. Faça as contas. Isso com certeza não cabe na sua calculadora.

É incrível como sempre que falamos de viagem no tempo, caímos na longa conversa sobre mudança de realidade, universos alternativos, versões toscas de nós mesmos, tênis brancos, hoverboards e um cientista louco tentando fazer um carro funcionar com um para raio sem protocolos de segurança.

Primeiro devemos começar com a relação do tempo com a realidade. Sim, tempo e realidade são duas coisas bem distintas, mas dependendo do jeito que as interpretamos, mudamos a nossa relação com o cotidiano. O que seria o cotidiano, senão a relação da intersecção entre o tempo e a realidade? O nosso dia-a-dia é exatamente como nos movimentamos no tempo, dentro que é tangível, e portanto real.

Há na realidade algo de tempo, bem como há no tempo algo de realidade. Por isso a grande confusão das duas coisas.

Tempo e Realidade são irmãos que as vezes andam bem brigados, outras inseparáveis, por vezes chateados um com o outro. O tempo pode curar fatores da realidade, e as vezes a realidade faz o tempo parecer um desgosto.

Para todas as discussões, Asimov e Wells que me perdoem, mas temos About Time.

Quer uma conversa sobre o tempo e a realidade de uma maneira madura, bela e positiva. Normalmente pensamos que a discussão sobre viagem no tempo nos levará a um futuro dominado por máquinas ou então vítima de uma catástrofe atômica. Até mesmo nas mais incríveis histórias o tempo futuro é anacrônico, cruel e niilista.

Mas não vamos falar por agora de um restaurante no fim do universo onde você paga caro para ver a supernova que colocará um fim nesta realidade.

Tempo e Realidade são tratados com o respeito que merecem no filme About Time. Uma salva de palmas para a família Lake.

Talvez Tim Lake e seus parentes levem um pouco dessa separação saudável, dessa distinção entre o que é temporal e o que representa, de fato a realidade. Como se a realidade estivesse contida no tempo. Há quem pense que o tempo é um fator de fora, que se possa manipular. Como se alterando o tempo eu pudesse torná-lo independente de tudo, controlando a eternidade e a realidade. Mas há uma graça em pessoas que apenas se percebem no tempo, sabendo que são viajantes admirando cada um dos pormenores que o tempo nos proporciona nesta realidade, observando as possibilidades da vida e procurando viver em contentamento, alegria e responsabilidade.

Segure suas pedras teológicas. O tempo não é Deus. Estamos falando de uma realidade de percepção onde ainda não estamos discutindo sobre soberania, ação de Deus ou ação do homem, determinismo e nem outro desses assuntos que causam cancelamento e polêmicas na rede social do pássaro.

Uma coisa é certa. Eu e você estamos dentro do tempo, e da realidade. Tudo o que acontece com ambos altera o nosso modo de perceber esta vida, tomar decisões e o nosso café matinal.

Suas moléculas podem não sofrer viagens temporais e nem alterações iônicas hoje, mas certamente suas costas ficarão mais rígidas daqui a alguns anos, principalmente se você não trocar essa cadeira.

Voltemos a falar do Tempo e da Realidade. Estou falando deles como personagens, como seres mitológicos. O corretor agora toda hora continua a colocar a letra minúscula, me dizendo que estou e errado, e posso estar. Mas vou tratá-los assim por causa do que vem a seguir.,

Tempo e Realidade são, portanto, como dois irmãos, dentro do nosso viés teológico. O Tempo sendo um irmão mais velho, e a Realidade sempre aquele mais novo que depende do irmão para tudo. Talvez até mesmo por vezes tentando existir sem a sombra do irmão, mas descobrindo ser impossível.

Na mitologia grega, Chronos é o Titã do tempo. Eu vejo muito do nosso pensamento partir daí. Chronos, filho de Hidros e Gaia (Águas e Terra), se torna um Titã Colossal, que come seus próprios filhos.

Pausa para uma recomendação importante. Assista “Attack on Titan”. É exatamente uma representação de Chronos devorando os seus filhos. Ou seja, a humanidade devorando a suas futuras gerações. Fim da recomendação.

É, de fato, uma grande epopeia para tratar da crueldade do tempo. Chronos se une com Anaque, que significa “inevitalidade” e forma então um ovo primordial. Esse ovo, juntamente com Gaia (Terra), Ponto (Profundezas marítimas) e Urano (céu estrelado), forma o Universo. E assim é que o tempo participa da formação do universo como o entendemos, ou seja, a Realidade. O ovo primordial que é a junção do tempo inevitável, com terra, mar e céu.

Nessa perspectiva da inevitabilidade (Quase como um diálogo de Vingadores Ultimato), o tempo tem um papel principal e único.
É difícil escapar do destino. Todos os nossos problemas com culpa, viagens no tempo e universos alternativos então partem da premissa do tempo inevitável. A realidade então é refém da cronologia, que sempre corre, mas nunca é encontrada. O tempo escorre e se torna não um personagem a se relacionar, mas um implacável inimigo.

E é aí que About Time acerta. O tempo, por mais que seja inevitável, está sempre rodando. Ou você o aproveita, ou você o perde. No caso dos homens da família Lake, podem rever o que quiserem do tempo já realizado. Ou seja, o tempo que permitiu que a realidade o toque. Nesse universo fantasioso do romance ficcional, há a possibilidade do que é real tocar o tempo, até mesmo manipulá-lo.

Nessa questão (de tempo :p), vejo que é sensato então abordar que o tempo é um local. Como expliquei antes, vendo o tempo como algo espacial nos permite talvez entender melhor. Sendo o tempo um local onde certo tipo de realidade existe, existiu ou existirá, talvez seja o modo mais sensato de tentar compreender o que chamamos de “agora”.

Já que abordei conceituações gregas, vamos continuar no bonde da Jônia. Eles tinham três formas de interpretar o tempo. Chronos, Kairos e Aeon.

Chronos seria o tempo corrente, ou o tempo que inevitavelmente acontece. É o tempo que vai passando quando você começa a contar até mil, ou o tempo que está rolando no seu relógio. É o passar dos anos, das eras, dos milênios. É o tempo cronológico.

O Kairós, e isso foi muito usado durante a produção do novo testamento, é um tipo diferente de tempo. É um tempo oportuno, ou melhor, o tempo da oportunidade. É o tempo correto onde algo acontece, ou está acontecendo. Não tem um certo limite, e não segue uma linha cronológica. Podemos falar de Kairós como uma época, ou então como um simples momento em que alguém fala uma frase extremamente útil. Uma boa observação é que geralmente os verdadeiros amores ocorrem no Kairós. As grandes ideias, os encontros maravilhosos, as memórias que ficam por mais tempo. Parece que o Kairós é um sopro de utilidade e beleza no tempo inevitável, cronológico.

A última definição de tempo seria o Aeon. Éon é “era” em grego, que representa uma grande quantidade de tempo cronológico, dividida por eventos ou acontecimentos. Aeon, com o certo prefixo “A”, já deixa a coisa interessante. É como se fosse um tempo acima de eras, então ele não toca o tempo cronológico. É quase como uma forma divina de interpretar o tempo. Na conceituação grega, talvez seja o mais próximo que vamos chegar de uma explicação da Eternidade.

Então temos aqui Chronos, Kairós e Aeon. Formas diferentes de se entender o tempo, dentro da filosofia grega. Logicamente, muito do pensamento do novo testamento e dos pais da igreja durante os primeiros séculos do cristianismo foi influenciado por isso. Não no sentido de mudar suas verdades para se encaixar nessas conceituações, mas no sentido de se utilizar dessa “iluminação” dos gregos, para conseguir explicar conceitos teológicos por vezes muito complexos.

E você pensando que Dark era complicado.

Chronos é a História, Kairós é o agir oportuno de Deus e Aeon é a Eternidade. Formas diferentes de explicar a mesma coisa. Utilizações do pensamento humano para conseguir extrapolar e explicar a verdade. Jesus, por diversas vezes, se utiliza do Kairós para explicar o Evangelho. Os apóstolos se utilizam do Aeon para explicar a vida com Cristo na Eternidade.

Há então, essa relação tripla, quase trina, com a realidade. Nós estamos na realidade presente. Há uma realidade futura, assim como uma realidade passada. Além disso, há uma realidade apenas cronológica, uma realidade oportuna e uma realidade eterna. A realidade é a sala onde estamos, e o tempo é a divisão das luzes que o cercam, e como se é percebida a realidade.

Em About Time, temos esses três conceitos de tempo realizados e explicados. O tempo cronológico é passado com a história. No simples passar dos dias e na evolução do tempo. Já o Kairós é o mais destacado. É quando Tim percebe todos os Kairós perdidos, e volta, para conseguir modificar alguma coisa.

Aqui precisamos gastar algum tempo explicando.

Para Tim, a questão de se utilizar do Kairós, do tempo oportuno, era crucial. Sua família, por conta da habilidade de voltar ao passado, conseguir desenvolver um talento em perceber o tempo de oportunidade nas coisas. Normalmente a gente percebe isso, num “devia ter dito isso” ou “não deveria ter feito aquilo”. No entanto, Tim extrapola e consegue entender que pequenos encontros, e frases, assim como com quem você fala ou coloca para falar influenciam, e muito, nos acontecimentos do tempo cronológico.

Sim, é isso que você está pensando, o tempo Kairós tem grande influência sob o tempo Cronológico. É quase uma hierarquia. Como o tempo Kairós é mais raro que o cronológico, que já existe, e sempre vai existir, aquilo que acontece no Kairós tem seus reflexos e consequências diretas para o que acontece a seguir na cronologia.

Tim se utiliza disso, e da habilidade de manipular o tempo, voltar para ter diversos Kairós, e assim aproveitar as oportunidades ao máximo. Ele e seu pai tem um discurso sobre isso, você lembra? O que fazer, como aproveitar os encontros pessoais, reuniões de negócios, o porquê de ler uma página a mais do livro. Entender o Kairós talvez seja bem importante para não se desesperar com a ansiedade de que o tempo cronológico nos devore.

Como o Kairós é acessível e ao mesmo tempo misterioso, podemos frequentemente tomar a opção de se desesperar diante do Chronos e perder todos os Kairós possíveis. Meninos fazem isso o tempo todo com as meninas. Algumas meninas mandonas também. Homens e Mulheres fazem isso o tempo todo em discussões amorosas. Pessoas acabam fazendo isso diante de pressões do trabalho e vestibulandos acabam perdendo justamente esse vislumbre na hora de chegar para fazer o Enem. Além disso, mestres em perder o Kairós são os comentaristas nas redes sociais, que poderiam permanecer calados e ao invés disso contaminam o Chronos com suas discussões. É o famoso “perdeu a oportunidade de ficar quieto”.

Dessa forma, esse pequeno acervo de conceitos sobre o tempo nos permita caminhar melhor no assunto, e em como eu penso esse mistério que é viver na jornada do tempo. O tempo e realidade se relacionam, como irmãos. O tempo, maior, contém a sua irmã realidade. Assim, há formas de conjecturar o tempo, sendo ele Cronológico, Oportuno ou Eterno. Em cada uma dessas conceituações, a realidade é experenciada de uma forma diferente, e com uma intensidade particular.

E de todas as coisas, o verdadeiro Kairós desses mundo foi quando a verdadeira Eternidade resolveu tocar a temporalidade e se fazer presente no tempo cronológico, fisicamente e corporalmente. Jesus Cristo foi o tempo perfeito, vencendo o inevitável. Foi o tempo que Deus mostrou ao mundo, pois no Filho há todo o tempo do mundo, Chronos, Kairós e Aeon.

O Pai como bondoso Senhor do Tempo, Criador de todas as coisas, coloca-nos a viver no tempo, enfrentando esta realidade, resultado de Sua Criação. Convivemos com o passado, presente e futuro. Como observamos esta realidade a partir do Tempo, à mercê de Chronos, temos que apoiar nossa fé naquele que apresentou de fato a verdadeira Eternidade, causa última da Realidade, o verdadeiro inevitável.

Em Cristo a Eternidade toca o aqui. Há redenção à cronologia, dádiva para que se aproveite cada oportunidade no tempo e esperança de uma vida perpétua. Como o próprio filme que citei antes conclui, há um caminho para que se experimente o extraordinário no ordinário, ou seja, o eterno no cronológico.

A discussão sobre questões temporais, lições de tempo, está longe de acabar.

Mas seguro caminhamos na certeza de que, em Cristo, há um Eterno no Hoje.

--

--